As palavras e a linguagem sempre me fascinaram. Desde pequena, eu observava as relações, o jeito das pessoas se comunicarem, e, embora falasse pouco, encontrava refúgio na escrita.
A escolha profissional nunca foi uma linha reta. Aos 16 anos, prestei vestibular para Letras, mas declinei por medo de me afastar da família. Desde então, minha trajetória passou por Enfermagem, Segurança do Trabalho, Engenharia e uma série de cursos que me moldaram. No meio desse percurso, surgiu a Libras.
Libras e acessibilidade não são apenas temas profissionais para mim — são causas que abracei para a vida. Há quase 19 anos, essa língua me abriu portas para histórias intensas, muitas boas, outras nem tanto. Ainda hoje me indigno com o quanto o tema parece não avançar. O acesso dos surdos a serviços essenciais continua precário, e o peso disso não deveria recair sobre eles.
Ontem, vivi uma situação que ficou martelando na minha cabeça, e não tive outra alternativa senão trazer para cá.
Uma surda me procurou para desabafar sobre conflitos familiares. Ela já havia se queixado a outros funcionários, mas foi a primeira vez que veio até mim. Durante toda a conversa, deixei que falasse, absorvi seus relatos, e a dor dela parecia se materializar em cada sinal. Em certo momento, perguntei se tinha amigos com quem pudesse compartilhar essas angústias. Ela negou com um gesto e, no rosto, vi a frustração de quem se sente só.
Tentei conduzir o diálogo para algo mais leve. Ela sorriu algumas vezes — o que, vindo dela, era raro. Em seguida, perguntei se sua família falava Libras. A resposta negativa trouxe outra expressão dolorosa. "E como vocês se comunicam?", questionei. "Com leitura labial, mímica e gritos, como se, por milagre, eu fosse ouvir."
Foi então que fiz a pergunta que mais me marcou: "Você se sente só?".
No primeiro instante, ela associou "só" a estar solteira, algo comum entre os surdos, que são muito literais. Quando expliquei melhor o que queria saber, vi um silêncio profundo se instalar. Seu olhar se perdeu, como se buscasse dentro de si a resposta para algo que nunca havia parado para pensar. E então, um simples "sim".
Aquilo doeu.
Voltei para casa indignada, como sempre fico desde que conheci essa comunidade e suas dificuldades. O silêncio, que para mim sempre foi um refúgio, para ela era um cárcere. Meu silêncio me acolhe, me permite encontrar foco, distinguir o que é meu e o que é do outro. Para ela, o silêncio é solidão imposta.
É cruel viver sem escolha.
Na minha pequenez, sigo plantando sementes, tentando, dia após dia, mudar um pedacinho dessa realidade. Hoje, a reencontrei. Ela séria, como sempre. Mantive o olhar firme, como quem diz: "Pode confiar em mim."
E ela sorriu.
"Pra quem chegou até aqui, obrigada por dividir esse espaço comigo. Escrever sempre foi algo muito íntimo, e agora que tantos estão chegando, me sinto feliz em compartilhar não só minhas palavras, mas também minhas inquietações. Que a gente siga trocando e se reconhecendo nessas histórias."
E, para finalizar, uso palavras que não são minhas, mas de Clarice Lispector:
"Entre o silêncio e a palavra, escolho o silêncio que fala."
"Escrever é um ato de coragem. É como se eu estivesse me oferecendo aos outros, e ao mesmo tempo me resguardando."
Obrigada Priscila, fico feliz que tenha gostado 🤍
De fato o silencio é tão importante pra mim, uma escolha, uma necessidade. Me traz de volta sempre que necessário. E de pensar que para os surdos, muitas vezes é motivo de isolamento e solidão. Por aqui sigo tentando fazer a minha parte!
Que linda trajetória e que lindo relato. Cheio de sensibilidade. Gostei muito do teu texto e me identifiquei na parte que descreve o silêncio!